Da constituição de Usufruto e suas consequências jurídicas
Por Benjamim Pinheiro
Publicado em 17/08/2020 - 11:19

Instituto originário do Direito romano, o usufruto é um direito real sobre coisa alheia, tendo como objetivo fruir as utilidades e frutos de uma coisa (bem móvel ou imóvel) pertencente ao nu-proprietário. O próprio nome do instituto jurídico já deduz o seu significado: usufruto (direito de uso e fruição).

Ao usufrutuário é concedido o direito de retirar de uma coisa as suas utilidades econômicas, podendo então usá-la ou fruí-la. O interesse do usufrutuário delineia-se, portanto, nas utilidades econômicas da coisa (do bem).

O usufruto é constituído quando o proprietário de determinado bem transfere a alguém os poderes de uso e gozo deste bem. Ao destinatário dos poderes de uso e gozo do bem é dado o nome de usufrutuário, enquanto o proprietário da coisa que transfere os poderes denomina-se nu-proprietário, no sentido de que este se despe dos poderes de usar e gozar da coisa em favor do usufrutuário. A propriedade então passar a ser chamada de nua-propriedade, já que fica gravada com o direito real de usufruto.

Por outro lado, o nu-proprietário tem os atributos de reivindicar (ou buscar) e dispor (ou alienar) a coisa. Nota-se, do ponto de vista estrutural, que o usufruto é o fracionamento perfeito e uniforme dos atributos do domínio, quais sejam: usufrutuário: gozar ou fruir, usar ou utilizar; nu-proprietário: reivindicar ou buscar, dispor ou alienar.

Nesse sentido, não pode o nu-proprietário locar o imóvel objeto de usufruto, nem mesmo usar da coisa, ao passo que, o usufrutuário não pode vender o bem (atributo do nu-proprietário). Ambos podem ingressar com ação possessória relativa ao bem, vez que são possuidores direto (usufrutuário) e indireto (nu-proprietário).

O direito real de usufruto poderá se constituir das seguintes formas: a) por negócio jurídico gratuito ou oneroso; b) por testamento; c) por usucapião; d) por força de lei.

PABLO STOLZE GAGLIANO, nos Comentários ao Código Civil, discorre sobre o instituto:

Na primeira hipótese, temos um contrato, firmado entre duas partes, visando à constituição do usufruto. Em tal hipótese, qual seria a forma a ser adotada pelos contraentes? Tratando-se de constituição de usufruto sobre bem imóvel, caso o valor do mesmo exceda trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país, a escritura pública é essencial para a validade do ato (…). Se o usufruto incidir sobre bem móvel, entretanto, tal solenidade é dispensável. Este modo de constituição, sem dúvida, é o mais comum, e tanto pode se operar a título gratuito como também em caráter oneroso. No primeiro caso, o nu-proprietário beneficia o usufrutuário, conferindo-lhe a faculdade real de desfrutar de algo que lhe pertence, independentemente de contraprestação. É o caso do filho que institui o usufruto em prol de seu velho pai, até o fim de seus dias. Neste caso, o seu genitor gozará gratuitamente do direito concedido.

Em outra hipótese, poderia um sujeito conferir o usufruto, por contrato, em benefício de outrem, mediante o pagamento de um preço. Aqui, estaríamos diante de uma forma onerosa de constituição.

Também por testamento se constitui o usufruto (…). Nada impede, outrossim, que se constitua o usufruto por meio do usucapião (…) Finalmente, o usufruto pode derivar da própria lei, a exemplo do usufruto resultante do direito de família. Nesse sentido, o art. 1.689 do Código Civil dispõe que: ‘Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar: I — são usufrutuários dos bens dos filhos.

Vale destacar que “o usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis”, conforme artigo 1.390 do Código Civil.

Como dito anteriormente, o usufrutuário não pode vender o bem, ou seja, o usufruto é inalienável, não obstante se admita a cessão de seu exercício, a título oneroso ou gratuito (CC. art. 1.393).

Qual a diferença entre alienar o direito e ceder seu exercício?

Na alienação ocorre a sucessão do titular do direito, que era um, e passa a ser outro, enquanto, no caso da cessão, um terceiro passar a exercer o direito, todavia, conservando o titular deste direito cedido. Daí porque a alienação produz efeito definitivo, enquanto a cessão é temporária. Ademais, o usufrutuário tem direito oponível a todos, enquanto o cessionário tem direito obrigacional, exercido em face do usufrutuário cedente. Não pode, por conseguinte, opor seu direito a terceiros, tampouco ao proprietário.

No tocante ao ingresso de ação judicial reivindicatória da coisa em usufruto, entende-se que somente o nu-proprietário detém legitimidade, já que é aquele que tem o direito de reaver ou buscar a coisa de quem injustamente a possua ou detenha. Entretanto, existem julgados que reconhecem a legitimidade do usufrutuário no ingresso da ação reivindicatória, o que decorreria dos atributos de usar e fruir a coisa.

Nesse sentido, destaca-se recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça, que dizem respeito a usufruto vitalício:

ADMINISTRATIVO E CIVIL. IMÓVEL RURAL OBJETO DE DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. USUFRUTUÁRIO VITALÍCIO. DIREITO REAL. PRESENÇA DE LEGITIMIDADE E INTERESSE PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO DECLARATÓRIA DE PRODUTIVIDADE. 1. O cerne da questão é a legitimidade de usufrutuário vitalício de imóvel desapropriando propor ações que tenham como objeto a defesa da propriedade. 2. O usufrutuário, enquanto possuidor direto do bem, pode valer-se das ações possessórias contra o possuidor indireto (nu-proprietário) e, enquanto titular de um direito real limitado (usufruto), também tem legitimidade/interesse para o ajuizamento de ações de caráter petitório (tal como a reivindicatória) contra o nu-proprietário ou contra terceiros. Precedente: REsp 1.202.843/PR, 3.ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 28.10.2014. Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no REsp 1.291.197/MG, 2.ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 12.05.2015, DJe 19.05.2015).

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PETITÓRIA. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. USUFRUTO. DIREITO REAL LIMITADO. USUFRUTUÁRIO. LEGITIMIDADE E INTERESSE. 1. Cuida-se que ação denominada ‘petitória-reivindicatória’ proposta por usufrutuário, na qual busca garantir o seu direito de usufruto vitalício sobre o imóvel. 2. Cinge-se a controvérsia a definir se o usufrutuário tem legitimidade/interesse para propor ação petitória/reivindicatória para fazer prevalecer o seu direito de usufruto sobre o bem. 3. O usufrutuário – na condição de possuidor direto do bem – pode valer-se das ações possessórias contra o possuidor indireto (nu-proprietário) e – na condição de titular de um direito real limitado (usufruto) – também tem legitimidade/interesse para a propositura de ações de caráter petitório, tal como a reivindicatória, contra o nu-proprietário ou contra terceiros. (STJ, REsp 1.202.843/PR, 3.ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas 6.4.2 Cueva, j. 21.10.2014, DJe 28.10.2014)

Importante mencionar os direitos e deveres do usufrutuário de forma bastante resumida, conforme previsão legal no Código Civil.

São direitos do usufrutuário:

  • Direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos (CC. art. 1.394);

A posse mencionada é a direta, eis que o usufrutuário tem o contato corpóreo com o bem. O uso permite a utilização livre do bem, com as devidas restrições encontradas na legislação. A retirada dos frutos também é inerente à categoria. Cumpre lembrar que os frutos são bens acessórios que saem do principal sem diminuir sua quantidade.

  • Salvo direito adquirido por outrem, o usufrutuário tem direito aos frutos naturais, pendentes ao começar o usufruto, sem encargo de pagar as despesas de produção desses frutos (CC. art. 1.396, caput)

Os frutos pendentes são aqueles que não foram colhidos. Ilustrando, iniciado o usufruto de uma fazenda repleta de laranjeiras com laranjas, o usufrutuário terá direito a recolhê-las e a consumi-las.

Por outro lado, os frutos naturais, pendentes ao tempo em que cessa o usufruto, pertencem ao dono do bem (nu-proprietário), também sem compensação das despesas (art. 1.396, parágrafo único, do CC). No exemplo acima, se ao término do usufruto as laranjeiras estiverem cheias de laranjas, serão do nu-proprietário.

A colheita indevida dos frutos caracteriza a culpa, devendo responder aquele que a realizou quando o ato não era cabível. Aplica-se para ambos os casos.

Nos termos do art. 1.397 do Código Civil, entende-se que as crias dos animais pertencem ao usufrutuário, deduzidas quantas bastem para inteirar as cabeças de gado existentes ao começar o usufruto, hipótese de compensação legal. Em suma, os bezerros que nascerem durante o usufruto servem para compensar os animais que se perderem durante o usufruto. Isso porque se os novos animais se perderem sem culpa do usufrutuário, de modo que não possa ocorrer a citada compensação, ambas as partes sofrem o prejuízo.

  • O usufrutuário tem o direito de usufruir em pessoa, ou mediante arrendamento, do prédio objeto do contrato (CC. art. 1.399)

No caso de imóvel urbano, levando-se em conta a sua destinação, aplica-se a Lei 8.245/1991. No

caso de imóvel rural ou rústico, incidem o Estatuto da Terra (Lei 4.504/1964), a legislação agrária e o Código Civil, no que couber.

A parte final do disposto no artigo 1.399 traz uma ressalva, eis que o usufrutuário não pode alterar sua destinação econômica, sem expressa autorização do proprietário. Por exemplo, se o imóvel tiver destinação residencial, para que passe a ter uma finalidade empresarial na locação de terceiro, há necessidade de autorização do nu-proprietário. Ou, ainda, o caso julgado da hipótese em que o usufrutuário deixou de explorar a criação de gado para exercer atividade agrícola (TJPR, Apelação Cível 0629633-3, Paranavaí, 17.ª Câmara Cível, Rel. Juiz Conv. Fabian Schweitzer, DJPR 24.03.2010, p. 191).

O desrespeito a essa premissa gera o dever do usufrutuário em repor as coisas na situação anterior ou então o dever de indenizar o nu-proprietário.

Quanto aos deveres do usufrutuário:

  • O usufrutuário tem o dever de zelar pela coisa, como se fosse sua.
  • O usufrutuário, antes de assumir o usufruto, tem o dever de inventariar, à sua custa, os bens que receber, determinando o estado em que se acham, e de dar a caução usufrutuária, pessoal ou real, se essa for exigida pelo dono da coisa (art. 1.400 do CC)

Ou seja, o usufrutuário deve informar qual é o objeto do usufruto ao nu-proprietário, informando quais são e o estado de todos os bens usufruídos. Trata-se de verdadeira prestação de contas, que deve ser arcada pelo usufrutuário. A ausência de tal inventário gera uma presunção relativa de que o usufrutuário recebeu os bens em bom estado de conservação.

Quanto à caução ou garantia, essa visa a garantir a conservação e a entrega da coisa ao final do usufruto, conforme consta do próprio dispositivo legal. Essa caução é dispensada em relação ao doador que faz reserva de usufruto, em usufruto deducto (art. 1.400, parágrafo único, do CC). Como se extrai da norma, a caução pode ser real – caso de um penhor ou de uma hipoteca –, ou pessoal (fidejussória, caso de uma fiança).A garantia deve ser idônea, de modo a garantir o interesse relativo ao usufruto.

O usufrutuário que não quiser ou não puder dar caução suficiente, perderá o direito de administrar o usufruto. Em casos tais, os bens serão administrados pelo proprietário, que ficará obrigado, mediante caução, a entregar ao usufrutuário o rendimento deles, deduzidas as despesas de administração, entre as quais se incluirá a quantia fixada pelo juiz como remuneração do administrador (art. 1.401 do CC). Como se pode notar, a citada caução ou garantia não é obrigatória.

Nos termos do artigo 1.402 do Código Civil, “O usufrutuário não é obrigado a pagar as deteriorações resultantes do exercício regular do usufruto”. O nu-proprietário não pode cobrar tais valores. No entanto, como a norma é de ordem privada, não há qualquer óbice de se convencionar o contrário.

Ainda, destaca-se que o usufrutuário não deverá indenizar as deteriorações que decorrerem de caso fortuito (evento totalmente imprevisível) ou força maior (evento previsível, mas inevitável). Porém, em havendo culpa ou exercício irregular de direito a causar a deterioração da coisa, o usufrutuário terá que indenizar o proprietário, o que pode ser retirado da parte final do art. 1.400; bem como dos arts. 186, 187 e 927 do CC/2002, que tratam do ato ilícito e do dever de indenizar.

Enfim, há uma série de deveres do usufrutuário que não serão abordadas uma a uma, mas que podem ser observadas entre os artigos 1.403 e 1.409, bem como a extinção do usufruto pode ser observada nos artigos 1.410 e 1.411, todos do Código Civil.

De qualquer forma, é importante destacar que, em todos os casos, a extinção do usufruto relacionado a bens imóveis somente ocorrerá com o cancelamento do registro perante o Cartório de Registro de Imóveis, em observância ao art. 167, inc. I, n.º 7, da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973).


REFERÊNCIAS:

MELLO, Cleyson de Moraes. Direito Civil – Direito das Coisas. 2ª edição. Freitas Bastos Editora. 2017.

GAGLIANO, Pablo Stolze. Manual de direito civil; volume único / Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. – São Paulo: Saraiva, 2017.

DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito civil; Elpídio Donizetti; Felipe Quintella. 6. Edição rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017.

TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 4 : Direito das Coisas – 9. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União. Disponível em: <  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm >. Acesso em: 17/08/2020.

BRASIL. Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Diário Oficial da União. Disponível em: <  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm >. Acesso em: 17/08/2020.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.291.197/MG – 2ª Turma. – Distrito Federal. Relator: Ministro Humberto Martins. Pesquisa de Jurisprudência. Publicação no Diário da Justiça em 19/05/2015. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/189902211/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-1291197-mg-2011-0264662-5/relatorio-e-voto-189902236 >. Acesso em: 17/08/2020.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.202.843/PR, 3.ª Turma – Distrito Federal. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas. Pesquisa de Jurisprudência. Publicação no Diário da Justiça em 28/10/2014. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/153368885/recurso-especial-resp-1202843-pr-2010-0137288-9/relatorio-e-voto-153368896?ref=amp >. Acesso em: 17/08/2020.

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